quarta-feira, 11 de junho de 2008

Da série Crianças e professoras: Sarah e Clarice

Na hora do recreio, as professoras estão conversando, sentadas no banco de madeira, freqüentemente são interrompidas pelas crianças, que descobrem bichinhos na terra, contam novidades, reclamam de alguma criança, mostram machucados, pedem para ir até o banheiro. As professoras meio irritadas fornecem rápidas respostas para as crianças, elas querem conversar um pouco, também precisam contar novidades umas para as outras. Clarice que brincava com Sarah, menina que possui “deficiência auditiva parcial”, interrompe as professoras e fala com uma delas:
- Professora não dá para brincar com a Sarah, ela não entende nada que eu falo.
A professora diz para Clarice, sem pensar muito, sem ter certeza do que estava dizendo, sem saber se isto daria certo, mas usando de sua própria experiência com Sarah:
- Experimenta olhar nos olhos dela, fala olhando nos olhos de Sarah.
- Mas, tia como assim, eu não sei como fazer isso.
- Vai tenta, Clarice.
A menina voltou alguns minutos depois, sorridente, espevitada, pulando feito perereca:
- Tia, tia, tia aprendi a falar com Sarah, agora eu sei o que é esse negócio de falar olhando no olho.”

Da série Crianças e professoras: Ninguem para apertar seus botões

Pablo abre a caixa de papelão, de dentro dela sai um brinquedo enorme, quase do seu tamanho. O brinquedo é cheio de botões, que produzem sons de muito tipos, luzes de muitas cores. O brinquedo eletrônico de última geração, não foi barato, a mãe precisou dividi-lo em várias e pesadas prestações.
Pablo tem nos olhos duas estrelas, brilhando de curiosidade... Ele mergulha na caixa de papelão faz dela casinha, carro, túnel, castelo...
O brinquedo eletrônico fica sozinho no canto, sem ninguém para apertar seus botões.

sábado, 7 de junho de 2008

Da série Crianças e professoras: Carnaval


Dia de festa na escola, as professoras improvisaram um baile de carnaval. Crianças dançam frevo, samba, pagode e marchinhas, jogando confetes e serpentinas uns nos outros. É possível ver bailarinas, palhaços, pierrôs, índios, odaliscas, piratas, super heróis, correndo e brincando pelo salão. Mas num cantinho de uma das salas, Sabrina, observa de longe a farra das crianças, observa as meninas colocando sapatilhas, meninos brincando de ser monstros com suas máscaras, professoras improvisando fantasias para às crianças que não trouxeram. Sabrina encolhe-se na cadeira, parece não existir, nem destoa da alegria dos meninos, Sabrina esta invisível. Até que uma das educadoras percebe a menina e vai encontra-la na insistência para que ela fosse brincar, vestir uma fantasia, jogar confetes. A menina trancada em seus pensamentos diz apenas que não pode brincar, mas seu corpo desobediente parece inquieto, parece querer saltar da cadeira e ir para o pátio. A professora insiste e oferece uma fantasia, ela olha com olhinhos brilhantes a fantasia de bailarina, a saia de filó, o collant rosa bordado de miçangas. Sabrina diz que não pode brincar de fantasia, de carnaval, sua mãe lhe alertou que aquilo era coisa do Diabo. A professora insistiu disse que não, que Deus estava ali na brincadeira, na diversão, na alegria. Sabrina cortou a explicação da professora e disse de forma inusitada:
- Anota aí, o número 2 717 XXXX
A professora não entendeu nada, e perguntou:
- Que número é esse Sabrina? Porque você tá mandando eu anotar um número?
- Ah, liga para minha mãe e fala isso tudo. Ela vai te explicar porque carnaval é do Diabo.

Da série Crianças e professoras: Hora do almoço

Hora do almoço; crianças comem uma gostosa e cheirosa galinha cozida com batatas, arroz e feijão em seus pratos azuis. De longe as professoras dão pequenas ordens orientando como as crianças devem proceder à mesa; não devem falar de boca cheia, não devem deixar cair comida, não devem acotovelar os “amiguinhos”, é preciso comer “tudinho”. As professoras comem também, no prato de vidro próprio para os adultos. Comem distantes das crianças, não se misturam aquela massa inquieta e “sem educação”, “sem hábitos”, “sem maneiras decentes de comer e falar”.
Algumas professoras, poucas professoras, sentam-se juntas às crianças incentivando–as para que comam, explicam a importância dos alimentos, comem junto à massa inquieta, conversando também aumentam o coro das crianças, e sentem–se como parte do grupo mesmo reconhecendo que são tão diferentes. Os pratos de vidro avizinham-se aos de plásticos criando um desenho que anteriormente não tinha sido feito.
E Jéssica, uma daquelas crianças espevitadas e “sem educação” pergunta à professora que estava sentada a seu lado, estranhando aquele novo diagrama, aquela mistura de adultos e crianças :
- Tia, você também é uma criança?

Da série Crianças e professoras - "Olhos de alfinetes"


Numa tarde qualquer, enquanto eu me arrumava
apressadamente para sair, vi Maria, menina-ventoprincesa
- riso - pirata... e também choro, derramando-se
todinha num chorinho fino que ecoava pelos cantos da
creche.
Deixei por um instante os meus afazeres, e com
a rapidez de quem está interessada, mas não misturada
ao choro, ao soluço e à vida da menina, perguntei por que
chorava. Ela me disse com olhos de nuvem, embaçados,
que sua professora iria embora e que isto a deixava muito
triste.
Restituir a calma, manter o controle da situação,
“administrar o conflito”, trazer de volta a qualquer preço
seu sorriso e dar a ela uma resposta rápida e cômoda, era
minha "missão" de educadora.
Então, mais rápida que caixa de supermercado,
que funcionário de lanchonete fast food, respondi que não
se preocupasse, afinal logo outra professora tão especial
chegaria para ocupar aquele lugar.
A menina me olhou com olhos de alfinete, colocou
as mãos na cintura e disse:
- Ora, mas não vai ser a professora Lilian.
Neste momento a professora ganhou nome: Lilian.
Ganhou também cor, cheiro, corpo, história, memória e
afeto.