sábado, 27 de dezembro de 2008

Doce nó

Nosso beijo:
Pudim de leite.
Nosso abraço:
suspiros.
Nossos sorrisos:
quindins.
Nosso roçar de pêlos:
pão de ló.
Nosso gosto: bombom.
Nossa cama:
rocambole.
Nosso sexo:
pipoca quando estoura.
Nosso sono:
bem casado.
Seus olhos fazem cosquinha no meu coração.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Que delícia essa sopinha que você faz
mexendo
sua colher ânimo
na minha panelinha de sonhos:
prato cheio.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Algo trágico e feio: um campo de flores incendiado.
Hoje, acordei dramática.
Então, escrevo: meu coração é um incêndio de flores.
Muitas cinzas e pouco perfume.
Confesso, resisti: A fila anda? Não!! Então, descobri: anda. Mas afirmo: anda bem devagarinho.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Tesourinho

Seus olhos repousando nos meus: graça.

GOZO NOSSO

ELE SEGUE SUADO,
EU SIGO SORRINDO.
ELE SEGUE SORRINDO,
EU SIGO SUADA.
SEGUIMOS,
SUADOS.
SORRINDO,
SÓS.
RINDO
INDO
INDO
INDO
OO
OO
OO
O.

sábado, 6 de dezembro de 2008

O meu ócio está disponível e a lua é vaga: perfeito.

Exclamativo amor

Hoje estou exclamativa!
Quero ter você agora!
Mas esse agora, demora!!
Ai,Vem!!Vem, se adianta!
Veste verde esperança!
Se perfuma com meu cheiro!
Vem, que eu tô que tô! Exclamativa!
Saudosa! Abusada! Deliciosa!
Vem, antes que eu fique interrogativa!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Meu coração:

comprimido e efervescente.
Xiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii.

Tesourinho

A borboletinha pousou no ombro.
Um susto?
Não, adorno.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Tesourinho

Encontrar no meio de papéis desavisados, amarelo retrato de jovens amantes brincando de esperança: achado.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

"Não adianta plantar seus olhos raízes
no meu
corpo
chão:
não
vou aderir."

sábado, 22 de novembro de 2008

...
Nunca falamos de nós.
Quando falamos dos nós,
nos desfizemos.

Rejeitado ser..

Sentir-se sem jeito diante do afeto desajustado ao seu.
Ensaio de amarelo sorriso, quando se queria efetivar gargalhadas.
É como colocar obrigatoriamente meias no verão.
Fechar as janelas fugindo do sol, quando se quer beijá-lo.
Arrancar o doce da boca do menino que ainda se lambuza.
Ai, não sei explicar essa dor que não se cala. Essa dor sem graça. Coisa que não move. Que não cabe no peito e transborda na lágrima interrompida.
A lágrima seca, adentra o corpo e forja nas cavernas do coração formações inquebravéis.
Não se perdoa uma rejeição. Não! Não e não!
É como plantar de repente na alma ausências de joaninhas, borboletinhas, flores e fadinhas, qualquer coisa que possa voar.
Aterrisagem num deserto sem sombra ou água.
Rejeição é o que toca mais fundo. Uma quase morte, dolorido corte. Um quase fim de mundo.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

PALAVRA

A palavra que teço é o meu leite derramado,
A palavra que esbanjo sai como um grito de desespero,
Não durmo, não acordo sem escrevê-la.
Ela sou eu inteira.
Exposta, nua, farta, cansada de acreditar no sensível.
Quando escrevo parte de mim um sonho.
Vai embora uma coisa que podia ser e não foi
Na palavra realizo,
O amor que não existiu, a dor que não pode ser tocada,
a vingança inacabada.
A palavra é despedida, partida, adeus.

Lili

Essa menina poema,
é um pedaço da minha melhor estrada
cançao nada ensaiada
versinho de perna quebrada.
Ela é linda e indecente
puro anjo de candura
boa companhia no sereno
destilando e eficaz veneno
Ela é sábia e bobinha
pé no chão e borboletinha.
Ela é luz pra tanta gente.
Fogueirinha.
Coisa boa encontrar essa menina.
Coisa boa desaprender a viver com ela.
Ela mastiga a vida, não ranga num fast food barato.
Ela é pedra bruta, uma joia de fato!
Ela é minha irmã, minha amiga.
Queria arrancar seus temores, suas dores.
Mas impossibilitada de fazê-lo, viajo em suas insanas-idades.
Ela é sol e lua,
brinquedo e brincadeira.
coisa seria e besteira.
Ela é o texto mais simples e complexo que li.
Ai, viva! Viva! Minha amada e doce amiga LILI!

AMOR

O amor é o menino sentado na soleira da porta fazendo bolhas de sabão todos os dias sem cessar.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Paixão - a bolha

O menino se embrenha no mato e corta um canudo de mamona,
senta na soleira da porta, mistura um pouco de sabão na água.
O menino faz uma bolha linda, rosa, azul, bailarina.
A bola sobe tão alto que as mãos do menino por mais suspensas, não conseguem alcancá-la.
Ela sobe, ignorando o menino.
Mas ele não lamenta, gargalha poderoso com orgulho de sua doce criação.
De repente, num instante o sonho explode.
O menino procura, mas não vê a bolha de sabão.
Senta -se na beirada da porta, e começa tudo de novo...

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Encontrei
o
fio
de
cabelo
do
amor
de
ontem,
no
espelho
desta
manhã:
presente
.

sábado, 8 de novembro de 2008

Anoitecer

Anoiteceu no meu pensamento.
Fechei a porta do quarto de ilusões.

Não quero travesseiros de penas e dúvidas.
Tranquei com chave de desassogegos
o meu coração de fumaça.
Pare coração de queimar! !
Pare de insinuar febre onde prevalece o gelo
!
Pare de fazer rosa o que se fez cinza!
Pare!!E descanse..

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Da série meu coração...

Meu coração é um gatinho carente,
miando seu nome no teto da noite.

Da série meu coração...

O meu coração tem sido como nuvem:
se faz e desfaz ao sopro das relações.
Lilian Garcia

domingo, 19 de outubro de 2008

Da série meu coração...

No meu coração é noite, mesmo de dia...


Fotografia: Dani

Da série meu coração...

O meu coração é um estádio de futebol
com todo mundo
gritando seu nome.
Meu coração de pedra,
ambiciona virar jóia.
Meu coração rocambole;
leve, doce, enrolado.
Meu coração é um tamborzinho só,
quando te vejo passar pela praça,
vestido de leveza, despido de frisson.
Meu coração é uma borboletinha assanhada,
que pousa confiante em qualquer ombro,
espera inocente,
quente descanso.
Meu coração é de gelatina:
endurece no frio,
se desmancha no calor.
Meu coração é uma cama
de gatos,
feita de duro material:
arame farpado.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Os dias

Segunda,
saio
sempre,
seguindo sonhos.
Semáforo,
suicida.
Suor,
salgado.
Sono severo.
Sexta,
saio sempre
segundo o sonho,
sorriso sexy,
sou safa,
insinuante.
Sábado,
saio segurando sonhos,
solta, saliente.
Sedentos sentidos,
seduzem solitários.
Saliva seiva,
Suspiros secretos,
Sussurros selvagens.
Samba...
Sábado, sacana sempre.

Nada Mais

Queria ser
sua musa,
sua música,
seu moinho,
seu motivo,
sua medida,
sua meta,
sua missa,
sua mina,
sua matéria.
Mas sou...
seu nú,
seu nunca,
sua nódoa,
sua névoa,
sua neurose,
sua nicotina,
sua nitroglicerina,
seu nó,
seu naco,
seu nada.
Nada? Nada não sou.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Um encontro disfarçado de acaso

Encontrá-lo na esquina do meu sonho foi genial. Você sempre sexy, com seu olhinho de menino moldurado com quase rugas. Sua surpresa ao me ver e sua indisfarçável alegria, me contagiaram. Que bonito! A lguém assim, tão sincero! Tão despreocupado em manter a pose! Você é bacana mesmo, e bonito a vera. Falo isso, sem disfarçar a excitação que sua aparição provocou. Que aparição!! Hoje, estou assim exclamativa.Culpa sua! Desse seu sorriso do tamanho de toda minha esperança na amizade e no amor.Esperança esquecida em algum lugar, neste tempo de corpos descartáveis.Eu? Não sou mais a mesma menina, embora não tenha rugas e ainda um ar brejeiro. Sei, tenho ainda uma leveza de borboleta molhada de casulo.Mas as asas estão destreinadas do vôo. Me ensina a voar de novo? Me faz ver estrelas durante o dia? Me sufoca de alegria? Samba na minha passarela? Me ensina a cantar para fora, alto e no tom? Ai, como foi bom ter visto seu sorriso de anjo. Hoje, você é meu anjo. Isso, até que sua ausência e os nossos compromissos nos separem. Mas vou curtindo esse efeito bacana, esse vicio de te imaginar entrando na minha vida, pela porta da frente,sem cerimônia.Afinal nos conhecemos tanto. E ando esperando sua visita.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Sensações; Evaporar.

Ela acordou com o diabo no corpo, escovou os dentes com violência, sangrou. Trocou de roupa sem pena do pano, rasgou.Penteou o cabelo sentindo dor, perdeu meia dúzia de doentes fios. Pintou a boca sem pudor de vermelho puta. Saiu querendo briga, não encontrou. Encontrou com o dia, ela em ebulição, ele, igual. Eta diazinho bobo!! Ela tinha uma quentura no corpo, um assanhamento nas carnes, uma vermelhidão nos olhos. Ela queria acabar com aquilo, antes que aquilo acabasse com ela. Queria acabar com aquilo sozinha, esquentar-se até evaporar. Não queria dividir aquele troço sem nome com ninguém. Era um ódio misturado com desejo de sentir ódio do desejo de sentir ódio. Uma bagunça tremenda. Um troço poderoso. Ela poderia tentar canalizar esse trem, colocar isso nos trilhos. Arrumar um briga no onibus, caçar confusão no meio da rua, transar com um estranho no elevador. Mas decidiu passar o dia ardendo em febre, queimando. Decidiu evaporar-se.

domingo, 21 de setembro de 2008

Sensações: atração por precípicios

Ela, desde sempre, amou encostar-se ao parapeito das janelas de prédios e casas e observar a distância percorrida até o chão. Nunca quis o tombo, nunca quis ferir-se. Quando pequena andava na beira do rio, pé ante pé, observando o fluído das águas sujas de malacachetas. Ela se atrasava experimentando o perigo. Inocente, não calculava, que se caísse apenas emprestaria a saia de pregas bem passadas um gosto de areia, água e pedra. A moça não buscava a morte ou a dor. Ela queria voar e ao colar-se rente ao chão, escapar imune do choque. Não se sabe porque, mas ela não entendia que o choque é iminente. Hoje, essa atração permanece. Ela acaba de experimentá-la, enquanto cruza num coletivo a ponte que separa o Rio de Niterói. Olha com sofreguidão a baia profunda e azul. Cola a testa no vidro e torna a imagem comum; extraordinária. Sente o vento nos cabelos, sente o cheiro de maresia. Não sabe de onde vêm isso, esse sentimento de despenhadeiro, mas enquanto isso lhe atravessa o corpo arrepiando seus pêlos todos e esquentando suas extremidades, um pensamento lhe corta a carne, lembra-se de como ama. Quando ela ama quer sentir o risco de cair desordenadamente, pede a queda sem proteções, sem equipamento reserva, que suavize o movimento. Quer o vento, o sol, a pressão do ar sobre o rosto, desfigurando velhas formas. Quer a expressão intensa da vida imprimindo sem reservas sobre seu corpo sempre virgem, cenas quase inéditas, quase desconcertantes. Um resto de inocência insiste que ela pode escapar da dor e do tédio.

Sensações: tontura

Quando menina ela experimentava rodopiar até ficar tonta e jogar-se sobre a cama. Essa sensação de perder o equilibrio, que ela considera indescritível, ainda permanece. Perder a capacidade de ficar de pé, sem nada que a proteja de si mesma, é delicioso. Ela não exercita mas rodar até cair desordenada sobre o colchão. Embora pense em fazer isso qualquer dias desses, longe do olhar adulto que de dentro dela vigia e sequestra seus pés. Está pensando como vai enganar essa mulher de olhos que nunca piscam.
Mas ela ainda ousa rodopiar e perder o prumo na pista de dança. Neste lugar ela consegue por algumas tontas horas enganar a mulher que nunca sorri, e soltar seus pezinhos que quase não cresceram. Ela têm pés de criança. Para os mais atentos é possível vê-la, linda, entregue ao desequilibrio. De olhos fechados experimenta rodopios, ainda mais tonta pelas batidas hipnotizantes e pelas luzes artificiais. Talvez caia no chão, espatifando-se feito vidro, talvez encontre proteção. Mas sabe que essa sensação acompanha sua vida e que de alguma forma lhe dá sentido.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Uma coisa que prende o que ousa cair, escapar desordenado?
Cinto.
Então, isso, cinto saudades.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Exercicios? Para espantar o ódio..

Estou fazendo exercícios para espantar o ódio.
Entre eles ouso descolar as lembranças de suas datas:
Atualizá-las.
Certas sensações aliviam o meu estômago,
me impedem de vomitar desasossegos.
Me impedem de me envenenar com minhas impróprias produções: ácidos.
Quando fecho os olhos me vejo ao seu lado na pista neon: suor.
Dançamos esperanças mas cada um na sua,
Finjo, elas estão juntas, entrelaçadas.
Quero desperdiçar meu ócio memorizando o seu sorriso: lindo.
Endereçar -me lua para sua janela: tela.
Transportar-me leve para seu abraço: bálsamo.
No meu sonho tudo é possível,
Nele estou novamente inteira na sua cama de gatos: nua e sem ódio.

domingo, 31 de agosto de 2008

PASSARINHOS..

UMA NOITE, UMA CONVERSA, UM GESTO DE AFETO, SÃO SUFICIENTES PARA FAZER REVOAR PASSARINHOS ADORMECIDOS, RECOLHIDOS NO PEITO? E TODOS SE DEBATEREM TONTOS E SAIREM COMO POESIA PELA GARGANTA AINDA SECA PELA ASPEREZA DOS ÚLTIMOS DIAS? OS PASSARINHOS COMEÇAM A FAZER CÓCEGAS NO MEU PESCOÇO, AMBICIONAM VIRAR OUTRA COISA, E SAIR POR AÍ DESPERTANDO CINEMA NA PAISAGEM INERTE, MORTA. O QUE FAÇO COM ESSES SERES BARULHENTOS, ESSES SERES SEM MEMÓRIA, ÁVIDOS PELO VÔO? O QUE FAÇO COM ESSES SERES FEITOS DE ESPERANÇA, COMPROMETIDOS COM A POTÊNCIA? QUERO ANESTESIÁ-LOS, NÃO CONSIGO. MAS TEMO ABRIR A GAIOLA, E PELOS INCONVENIENTES PÁSSAROS SER DE NOVO, ARRASTADA.

sábado, 30 de agosto de 2008

Rodopios

Ela espera durante o dia morno, a hora de dormir. Espera pelo sonho colorido de inocência e despudor. O sono chega devagar, invadindo seus errantes pensamentos. Não demora muito, ela está metida num vestido de luz, incandescente. O vestido transparente tem muitas pontas, todas elas puxadas por fadas libélulas de asas cintilantes. Cada asa possui um nome, um nome de homem bordado em fios de puro ouro. A moça gira impulsionada pelo bater frenético das asas. Ela rodopia tonta, feito criança, mas se diverte e ri, evitando o tombo. De repente ela consegue ler um dos nomes impressos nas asas, e repete o nome muitas vezes até torná-lo música. Quase mágica. Hinotizada pela música, ela segue para o bosque onírico. Inebriada, vê o nome virar corpo e com ela se deitar entre arbustos de seda. Dançam, dançam, dançam e nada mais. Mas como num susto ela acorda, saudosa de algo que esqueceu: o nome, o homem, a música, a dança. Assim, passa todos os dias desejando o sonho, desejando dormir para eternizar o encontro dança ou apenas de novo girar.

domingo, 24 de agosto de 2008

Asas


Asas molhadas de sereno doce,
cambiantes,
translúcidas.
Asas tomadas de vento,
inimigas do tempo,
desconfiadas do voô.
Asas tontas de devaneios pueris,
movidas por mistérios,
quase fadas, quase estrelas.
Por um triz, quase vidro.
Mas ainda asas.
Delicadezas para rodopiar utopias
para supor alegria
na dureza do meu pensamento.

sábado, 23 de agosto de 2008

Descanso
















Frágil

Mexe com cuidado para não despertar fadinhas escondidas entre os pêlos da virilha.
Mexe com precisão para não penetrar rijo nas áreas inóspitas do meu coração.
Mexe com desvelo para não fazer do seu desprendimento, sedução de borboleta.
Mexe com proteção para não encharcar de poesia meus lençóis insones.
Mexe sem delicadeza para não preencher meus dias com suspiros desmedidos.
Mexe jocoso para eu não desconfiar que nossas escolhas não rimam.
Mexe distraído para não despentear meu calendário.
Mexe sem perder o tino, para não gozar vermelho em dias verdes.
Mexe com calma para não atiçar zonas de esperanças erógenas.
Mexe indecente, tatuando na minha retina seus olhos promessa.
Mexe embaraçando pernas, para fazer nós.
Ai, mexe,mexe de qualquer jeito. Mexe gostoso, intenso, sempre.

domingo, 17 de agosto de 2008

Noturna

Desconfio que meu tempo se esvai entre esquecidas cenas de um passado que me trai , atrai.
Desconfio que meu tempo se constrói com a rapidez de avenidas, risos tolos e faróis.
Desconfio que meu tempo se reveste de silêncios sombras e calmarias tapetes.
Desconfio que meu tempo descansa com o tempo de Deus, muitas vezes no escuro do quarto, estamos sós, ele e eu.
Desconfio que meu tempo caduco teima em mostrar o que eu ainda não vi.
Meu tempo é correr,
Quero ficar aqui, ele não deixa.
Ele tem mania de partir e levar me com ele.
Ele tem obsessão por fluir.
Ele ambiciona despedidas, secando com sopro quente minhas lágrimas de saudade.
Desconfio que já sou meu tempo, que meu corpo é seu cavalo.
Corro, corro, corro sem rédeas, tonta, selvagem, sem saber qual o próximo precipício.

domingo, 3 de agosto de 2008

experimentações noturnas



Entre redes, entregue ao tempo.

Entre olhares, entregue ao possível.

Entre atos, entregue a performance.
Entre pernas, febre.

Entre meandros, entregue ao jogo.

Entre muitos, dispersão.
Entre meios, rompantes de delicadeza desastrada.
Entre instantes, lucidez desgovernada.
Entre sextas e sabados, apostas solitárias.
Entre suspiros abafados, esperanças crianças.
Entre dedos, vazios.
Entre lençóis, nudez de flor cansada.
Entre cabelos, suores de cio despenteados.
Entre nós, não ditos.
Entre um dia e outro, afastamento.
Entretanto, enredada na teia,

Entre tontos dias, ainda possuo disposicão tecelã.
Entrega.

Mágoa

Vínculo estéril.
Ausência de sol no peito.
Estilhaços de devaneios
que eram chamados de sonhos,
e não fazem mais mosaico.
Rompante ruptura com o sereno.
Lastimável letargia.
Engodos? Tantos tolos.
Tonto maldizer.
Zabumba emudecida
que toca enganação.
Gosto permanente de segunda feira
entre os dentes amarelos de inventar alegria.
Olho inerte,
piscando sólida solidão.
Fragéis frases rimando vingança.
Lapsos de memória contente.
Pensamentos martelinhos
espantando borboletas.


Revisitando meu diário escrito nos anos 90.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Hoje, levada pela solidão do quarto escuro, me vêm na memória, os dias em que em minha casa ao faltar à luz, nos reunimos para ouvir histórias da família. Eramos três meninas e nossos olhares estrelinhas brilhavam de curiosidade. As histórias não ensinuavam nenhuma lição de moral ou final feliz.Eram completamente politicamente incorretas. Meu pai nos contava histórias de suas estripulias quando criança, suas brigas com os irmãos, os apelidos uns dos outros.
O que em mim ainda resta desta infância? O que em mim trago do meu pai? Imediatamente me vêm a memória, nossas idas a praia logo depois da separação de meus pais. Ele, eu com 20 poucos anos e minhas irmãs adolescentes,iamos para Saquarema, levando um frango de padaria e disposição para se expor ao sol durante todo o dia. Eu, ia na frente do carro quando as minhas irmâs deixavam. Confesso hoje, que sempre apanhei das minhas irmãs mais novas e cresci obedecendo as duas, ou melhor fingindo que obedecia, por preguiça de brigar. Elas são boas de briga.
Ia na frente cantarolando com meu pai, músicas que nos diziam coisas diferentes, mas que uniam nossas gerações.Cantavámos Elis, Chico, Vinicius, Bethânia, Gal, Roberto, Cartola.( Mal sabia meu pai, que eu me despedindo de amores de menina começava a experimentar a dor do desamor e que algumas daquelas canções já podiam ser minhas.)
Essas canções, ele me apresentou quando tinha sete ou oito anos. Neste momento, minha memória me leva até o seu quarto, quando ele chegava prá lá de Bagdá da pelada de sábado, deitava na cama, ligava o som no quarto escuro e roncava o resto da tarde. Eu ia correndo, deitar ao seu lado, ficava quietinha ouvindo Elis e alucinando com a luz, verde e vermelha do aparelho de som.
"Sentindo o frio, em minha alma,te convidei prá dançar, a tua voz me acalmava,são dois prá lá, Dois prá cá..."
De repente minhas lembranças me levam para o dia em que meu pai me deu a letra de " o mundo é um moinho". Eu devia ter apenas 22 anos, mas a letra batida à maquina, de texto tão intenso, já tinha sentido para mim. Tempos depois ouvi emocionada, uma história que não sei se é verdadeira, que Cartola havia feito esta música para sua filha.Passei a amar ainda mais esta canção e não quis investigar a veracidade da história.
Aprendi muito com meu pai, e ainda aprendo. Não foram poucos os seus erros e tentativas frustradas, mas também foram muitas suas apostas.Acho que com ele aprendi a continuar sempre apostando, a recomeçar.
Me lembro com orgulho de suas invenções, de suas estratégias mesmo que atrapalhadas de conseguir sobreviver inventando negócios de todo tipo, sem o chamado 'capital de giro".
Trago muito do meu pai no que sou. Somos muito parecidos:somos boêmios,amamos uma boa roda de conversas com amigos regada a cervejinhas, defendemos de forma quase insuportável nossos pontos de vista, amamos músicas intensas, temos uma tendência ao exagero e necessitamos de paixão.Somos arianos nascidos no mesmo dia.

A mais importante lição que tive na vida, aprendi com meu pai, aprendi amando o meu pai, aprendi a gostar do que não se enquadra, não se adequa, aprendi a gostar da humanidade.

domingo, 20 de julho de 2008

Viagem à lua

Sim, eu fui à lua. Estive com São Jorge e derrotei o dragão da maldade. O dragão era colossal, com três olhos de fogo, uma boca com várias carreiras de dentes afiados, uma cauda descomunal. Mas, eu e o santo, somos muito parceiros, e a briga foi boa. Terminou com o bicho estribuchando de dor, com uma espada afiada atravessada na goela.
Não encontrei com os ingênuos coelhinhos da infância de meus pensamentos. Todos haviam fugido não sei para onde.
Experimentei arrancar as lentes de meus óculos e ver a beleza embaçada. Achei uma viagem. Coloquei novamente os óculos para ver detalhes. Eu gosto dos detalhes. Foi bom flutuar e ver a terra cada vez mais distante. Mais estrangeira. Sim, eu fui à lua.
Me enrosquei no fuso dos seus horários. Andei perdendo a hora, o tino.
Porra!! Eu estava na lua...
Andei, cambaleante, tropeçando, olhando o céu. Ainda tenho a memória no corpo destes movimentos desordenados, ainda não me livrei totalmente dos tropeços e passos aéreos. Em devaneios, passei a emcompridar meus dias. Na lua, já não dormia.
Não reparei que os outros passageiros me davam adeus. Disseram tempos depois que eles haviam gritado o meu nome. Eu não ouvi. Perdi a hora de embarcar e fiquei um bom tempo por lá, sozinha.
Não senti fome ou sede, tamanha excitação do que se passava, do que se passava em mim. Tamanha a beleza da inédita paisagem. Deslumbrei. Sim, me senti como um Deus. Deus de mim, do meu tempo, das minhas horas. Heroicamente a desbravar o inacessivel. Sim, eu fui à lua. Admirei suas crateras, seus abismos, suas ausências. Andei pé atrás de pé na beira dos precipicios, como fazia quando criança andando nos trilhos do trem. Adorei seu vazio. Eu e a imensidão do espaço. Me misturei ao infinito.
Com o tempo, senti com medo. E voltei. Mas não duvidem, eu fui à lua. Não trouxe souvenir, não tirei fotografia. Mas só eu posso ter certeza, outro dia de bobeira, eu fui à lua.

domingo, 6 de julho de 2008

Presentes da minha lista de pedidos

No orkut tem um item a ser preenchido com pedidos que podem ser comprados para nós, na net, por nossos amigos.
Minha lista de pedidos para uma vida inteira que não podem ser comprados:

A sensação de fazer dormir uma criança
O cheiro de infância que sai do leite fervido
O perfume de terra molhada depois da tempestade
O por do sol visto do Gragoatá
Andar descalço na terra batida
Dançar descalça no chão de terra
Comer comida feita pela mãe
Um abraço comprido para matar as saudades de um amigo
Uma noite de conversas, risos, choros,abraços com amigos de uma vida inteira
Um olhar de amor puro-carnal
O frio na barriga diante do primeiro encontro
O sorriso de um menino ou o sorriso de um homem menino
Gargalhadas tão raras e preciosas gargalhadas
Pegar fruta do pé e comer...quantas saudades das pitangas, jabuticabas e mangas da minha infância
Olhar uma horta verde de todos os tons
Ouvir o coração de um homem batendo enquanto fazemos amor
Ouvir ele cantando no chuveiro
Chorar vendo filme bobo da sessão da tarde na companhia de uma amiga
Achar uma carta linda amarelada pelo tempo no meio das contas a pagar
Ouvir o piano tocado pela vizinha todas as tardes
Ter uma amiga que te cura a ressaca com chá ou engov
Um amigo que te liga na madrugada e te convida para dançar
Dançar até ficar morta de cansaço e com pés inchados
E por aí vai...

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Cartas


Carta 1

Para um quase querido estranho.

Vou escrever sem meias palavras, pois sou neste momento só intensidade. Sou uma pessoa que se rasga inteira, não desperdiço meus dias tentando me manter no salto, não mantenho os pés no chão e não mantenho um dos pés atrás (mamãe vou sempre te desobedecer). Na verdade, na maior parte do tempo, ando com os pés nas nuvens (desde menina)...
Desde criança escrevo cartas, mas envio poucas. Escrevo para me despedir da angústia, tentando fazer algo bonito com meus pensamentos atordoados, com o meu modo intenso de viver a vida. Escrevo para me libertar de pensamentos martelinhos. Escrevo para me curar ou para me entender.
Mas o que tenho para te dizer é breve:

Quando te vi não senti a paixão dos enamorados à primeira vista. Não senti o desejo de me jogar em seu colo ou te arrastar para minha cama. Senti uma estranha confiança em revelar as dores que sentia: a maior das intimidades. Seus olhos, me diziam calmamente(ou pelo menos foi o que vi) : - Conte o que se passa.
Contei sem reservas a dor de amor e a decepção que me consumia, contei dando nome aos bois, falando da minha primeira intenção: perdoar.
Tirei sarro do orgulho, rompi com a imagem de mulher ressentida. Me mostrei forte e frágil para você: um quase estranho.
Você ouviu, sem repetir clichês, sem desfiar conselhos, apenas sinalizou com sua calma que aquilo em que eu depositava tanto peso, foi apenas um acontecimento entre tantos na imensa vida por viver. Fiquei mais leve.
Foram duas semanas te encontrando sem marcar, nas ruas cinzas da cidade que aos poucos se coloriu com cores ainda não vistas e outras tantas esquecidas.
Foram dias te encontrando por coincidência ou destino?
Na casa de conversar a distância sem se tocar, ou olhar olho no olho que a modernidade inventou, começamos a construir uma amizade virtual. Perigoso movimento de viver perseguindo impressões, frases, fotos, recados. Um perfil que diz tão pouco, muito menos que um olhar, mas que hoje tem definido de quem nos aproximamos ou como nos aproximamos. E também a hora de se distanciar.
Numa noite qualquer, um encontro casual, que foi definitivo neste momento da minha vida. Pois me devolveu a capacidade de ver para além do que eu estava vendo nos últimos dias: descrença, tristeza e tédio.
Este encontro me devolveu a vontade de me arrumar, colocar perfume, comprar vestido novo. Me devolveu a capacidade de me encantar e de ser encantada.
Uma noite, uma tarde, uma noite, pouco tempo juntos, provocaram pequenas mudanças no meu dia a dia, coisas que eu já não suportava fazer pois me traziam lembranças doídas, se tornaram deliciosas, como se fossem feitas pela primeira vez: arrumar a casa, fazer compras, ler receitas imaginando almoços e jantares. Parei de chorar com o porteiro, o açougueiro, o taxista, a manicure. Voltei a dizer bom dia, boa tarde com um sorrisinho sapeca no rosto.
Voltei a tomar demorados banhos ouvindo música nas alturas. Voltei a dormir como um anjo. Duas semanas apenas, para me fazer sonhar com uma nova história, para me lembrar no meio do trabalho de engraçados papos, e me arrepiar com outras impressões digitais deixadas no corpo. Para me provocar o desejo de encontrar você por aí em qualquer esquina.
Mas logo apareceu um ingênuo desejo de repetição, um desejo de ter aquilo de volta, de viver a mesma noite, tarde, noite. Esqueci da lição que a vida tantas vezes me ensinou, que um encontro é sempre novo e outro. Sempre tem efeitos diferentes pra cada um de nós.
O que ficou em você? Eu não sei e talvez nunca saberei. Mas o que ficou em mim, foi um gosto novo pela vida, uma busca de sol.
Descobri que a capacidade de amar e de cuidar do outro e deixar ser cuidada é minha. Mas que eu posso despertá-la em acontecimentos inusitados, quando eu menos esperar junto a pessoas ainda desconhecidas.
Este encontro me devolveu o que de melhor eu havia perdido: a fome. Fome de vida. Hoje, estou faminta.
Mas você vive outra história, seus sonhos e planos te conduzem para outros caminhos, não te levam até a minha estrada. Temos diante de nós um desvio, um atalho, um passo em falso?
De uma certa forma sei, que entramos e saímos de nossas vidas.
Mas se hoje me olho no espelho e vejo o passado como algo distante, e desejo novos começos, inéditos começos, você tem haver com isso.
Do antigo amor só carrego lembranças que vejo cada vez mais longe, sumindo no retrovisor. Agora eu quero horas de sol, vento na cara, borboletas de sonho pousando no meu ombro.
Quero me apaixonar novamente. Quero telefonemas fora de hora, quero esperar por visitas inesperadas, esquentar no frio e ser esquentada, dormir abraçadinha, tomar banho a dois....Fazer muitas coisas ridículas, inventar apelidos, brigar de ciúmes, fazer as pazes fazendo amor, fazer coisas que ainda não fiz, ter boas surpresas, dizer coisas sem medo de ser inconveniente ou atrevida.
Quero ficar ansiosa, quero ter medo de não agradar, quero fazer pequenos mimos, quero ser mimada.
Quero fazer clipes imaginários quando estiver sozinha em casa ouvindo música. Quero ficar lembrando do ultimo abraço, do ultimo beijo esperando o próximo. Quero me arrepiar e me esquentar todinha com estas lembranças. Quero precisar ter que ir ao chuveiro para acalmar os ânimos. Quero me arriscar sem medo, sem lembrar do passado.
Me sinto novamente livre para viver um novo amor.
Sei que você fez uma escolha e ela não rima meu nome, o seu e amor.
Boa sorte nesta “escolha”, inevitavelmente ela implica em reservar para nós bons papos na mesa de bar, conversas entre bons amigos.
Ela implica em me distanciar do desejo de reinventar nosso encontro como o encontro de dois amantes ou namorados. Mas ainda reserva risos, olhares, conversas e abraços de amigos que podem se tornar irmãos.
De qualquer modo valeu a pena ter encontrado você naquele noite entre cervejas, risos e beijos.
Na vida nada se perde, tudo é movimento.
Sem promessas, sem querer, sem saber o que fez, você me impulsionou a seguir, a movimentar-se.
Um abraço forte querido quase estranho

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Da série Crianças e professoras: Sarah e Clarice

Na hora do recreio, as professoras estão conversando, sentadas no banco de madeira, freqüentemente são interrompidas pelas crianças, que descobrem bichinhos na terra, contam novidades, reclamam de alguma criança, mostram machucados, pedem para ir até o banheiro. As professoras meio irritadas fornecem rápidas respostas para as crianças, elas querem conversar um pouco, também precisam contar novidades umas para as outras. Clarice que brincava com Sarah, menina que possui “deficiência auditiva parcial”, interrompe as professoras e fala com uma delas:
- Professora não dá para brincar com a Sarah, ela não entende nada que eu falo.
A professora diz para Clarice, sem pensar muito, sem ter certeza do que estava dizendo, sem saber se isto daria certo, mas usando de sua própria experiência com Sarah:
- Experimenta olhar nos olhos dela, fala olhando nos olhos de Sarah.
- Mas, tia como assim, eu não sei como fazer isso.
- Vai tenta, Clarice.
A menina voltou alguns minutos depois, sorridente, espevitada, pulando feito perereca:
- Tia, tia, tia aprendi a falar com Sarah, agora eu sei o que é esse negócio de falar olhando no olho.”

Da série Crianças e professoras: Ninguem para apertar seus botões

Pablo abre a caixa de papelão, de dentro dela sai um brinquedo enorme, quase do seu tamanho. O brinquedo é cheio de botões, que produzem sons de muito tipos, luzes de muitas cores. O brinquedo eletrônico de última geração, não foi barato, a mãe precisou dividi-lo em várias e pesadas prestações.
Pablo tem nos olhos duas estrelas, brilhando de curiosidade... Ele mergulha na caixa de papelão faz dela casinha, carro, túnel, castelo...
O brinquedo eletrônico fica sozinho no canto, sem ninguém para apertar seus botões.

sábado, 7 de junho de 2008

Da série Crianças e professoras: Carnaval


Dia de festa na escola, as professoras improvisaram um baile de carnaval. Crianças dançam frevo, samba, pagode e marchinhas, jogando confetes e serpentinas uns nos outros. É possível ver bailarinas, palhaços, pierrôs, índios, odaliscas, piratas, super heróis, correndo e brincando pelo salão. Mas num cantinho de uma das salas, Sabrina, observa de longe a farra das crianças, observa as meninas colocando sapatilhas, meninos brincando de ser monstros com suas máscaras, professoras improvisando fantasias para às crianças que não trouxeram. Sabrina encolhe-se na cadeira, parece não existir, nem destoa da alegria dos meninos, Sabrina esta invisível. Até que uma das educadoras percebe a menina e vai encontra-la na insistência para que ela fosse brincar, vestir uma fantasia, jogar confetes. A menina trancada em seus pensamentos diz apenas que não pode brincar, mas seu corpo desobediente parece inquieto, parece querer saltar da cadeira e ir para o pátio. A professora insiste e oferece uma fantasia, ela olha com olhinhos brilhantes a fantasia de bailarina, a saia de filó, o collant rosa bordado de miçangas. Sabrina diz que não pode brincar de fantasia, de carnaval, sua mãe lhe alertou que aquilo era coisa do Diabo. A professora insistiu disse que não, que Deus estava ali na brincadeira, na diversão, na alegria. Sabrina cortou a explicação da professora e disse de forma inusitada:
- Anota aí, o número 2 717 XXXX
A professora não entendeu nada, e perguntou:
- Que número é esse Sabrina? Porque você tá mandando eu anotar um número?
- Ah, liga para minha mãe e fala isso tudo. Ela vai te explicar porque carnaval é do Diabo.

Da série Crianças e professoras: Hora do almoço

Hora do almoço; crianças comem uma gostosa e cheirosa galinha cozida com batatas, arroz e feijão em seus pratos azuis. De longe as professoras dão pequenas ordens orientando como as crianças devem proceder à mesa; não devem falar de boca cheia, não devem deixar cair comida, não devem acotovelar os “amiguinhos”, é preciso comer “tudinho”. As professoras comem também, no prato de vidro próprio para os adultos. Comem distantes das crianças, não se misturam aquela massa inquieta e “sem educação”, “sem hábitos”, “sem maneiras decentes de comer e falar”.
Algumas professoras, poucas professoras, sentam-se juntas às crianças incentivando–as para que comam, explicam a importância dos alimentos, comem junto à massa inquieta, conversando também aumentam o coro das crianças, e sentem–se como parte do grupo mesmo reconhecendo que são tão diferentes. Os pratos de vidro avizinham-se aos de plásticos criando um desenho que anteriormente não tinha sido feito.
E Jéssica, uma daquelas crianças espevitadas e “sem educação” pergunta à professora que estava sentada a seu lado, estranhando aquele novo diagrama, aquela mistura de adultos e crianças :
- Tia, você também é uma criança?

Da série Crianças e professoras - "Olhos de alfinetes"


Numa tarde qualquer, enquanto eu me arrumava
apressadamente para sair, vi Maria, menina-ventoprincesa
- riso - pirata... e também choro, derramando-se
todinha num chorinho fino que ecoava pelos cantos da
creche.
Deixei por um instante os meus afazeres, e com
a rapidez de quem está interessada, mas não misturada
ao choro, ao soluço e à vida da menina, perguntei por que
chorava. Ela me disse com olhos de nuvem, embaçados,
que sua professora iria embora e que isto a deixava muito
triste.
Restituir a calma, manter o controle da situação,
“administrar o conflito”, trazer de volta a qualquer preço
seu sorriso e dar a ela uma resposta rápida e cômoda, era
minha "missão" de educadora.
Então, mais rápida que caixa de supermercado,
que funcionário de lanchonete fast food, respondi que não
se preocupasse, afinal logo outra professora tão especial
chegaria para ocupar aquele lugar.
A menina me olhou com olhos de alfinete, colocou
as mãos na cintura e disse:
- Ora, mas não vai ser a professora Lilian.
Neste momento a professora ganhou nome: Lilian.
Ganhou também cor, cheiro, corpo, história, memória e
afeto.