sábado, 7 de junho de 2008

Da série Crianças e professoras - "Olhos de alfinetes"


Numa tarde qualquer, enquanto eu me arrumava
apressadamente para sair, vi Maria, menina-ventoprincesa
- riso - pirata... e também choro, derramando-se
todinha num chorinho fino que ecoava pelos cantos da
creche.
Deixei por um instante os meus afazeres, e com
a rapidez de quem está interessada, mas não misturada
ao choro, ao soluço e à vida da menina, perguntei por que
chorava. Ela me disse com olhos de nuvem, embaçados,
que sua professora iria embora e que isto a deixava muito
triste.
Restituir a calma, manter o controle da situação,
“administrar o conflito”, trazer de volta a qualquer preço
seu sorriso e dar a ela uma resposta rápida e cômoda, era
minha "missão" de educadora.
Então, mais rápida que caixa de supermercado,
que funcionário de lanchonete fast food, respondi que não
se preocupasse, afinal logo outra professora tão especial
chegaria para ocupar aquele lugar.
A menina me olhou com olhos de alfinete, colocou
as mãos na cintura e disse:
- Ora, mas não vai ser a professora Lilian.
Neste momento a professora ganhou nome: Lilian.
Ganhou também cor, cheiro, corpo, história, memória e
afeto.

3 comentários:

Anônimo disse...

Querida Fernanda,
Li seu blog e gostei muito das histórias. Parabéns!
Você sabe que vou voltar para a escola. E estou ansiosa por este reencontro.
Um dos seus textos me fez chorar... o da Maria!
Eu já conhecia a história e fico grata a você que a registrou para nunca mais ser esquecida.
A partir de sua releitura fui tomada pela seguinte idéia: Maria me faz professora. E penso que ser professora é mais do que ser. São as crianças que nos fazem assim. Sem Maria eu jamais seria Lilian. Como você escreve, ela me deu forma.
Gosto do jeito artesão que elas têm de pegar minha massa-professora e transformar em gente. Gente que precisa olhar, escutar e sentir melhor...Elas me lembram que continuo a ser a mesma, que sempre fui, só que em tamanho diferente. Maior. Só maior. E que por isso tenho a obrigação de compreendê-las, ouvi-las, enxergá-las melhor.
Maria-artesã-de-professora teve e tem este poder, que mora em cada ser criança, de acreditar no que fazemos, de nos transformar em personagens de suas histórias (como eu em princesa de João Francisco,por ter cabelos longos, rs), de nos enxergar além de nos mesmas, de nos alfinetar quando preciso for.
Estarei nesta busca novamente e feliz com cada encontro comigo mesma, atenta aos olhos, aos sorrisos, aos silêncios, aos choros, aos gritos, brincadeiras, segredos e histórias das crianças.

Mil beijos, da amiga de longa data, da companheira de trabalho e de lutas pelas crianças do mundo e por aquelas que ainda somos.

Lilian Garcia

Nat disse...

Adorei Fê! Bons escritos, continue, porque escrever é hábito. bjs!

Fernanda Bortone disse...

Sim, ainda somos crianças. E ainda sabemos brincar de ser feliz!!
Tomara que essas meninas levadas não nos deixem em paz!