quarta-feira, 2 de julho de 2008

Cartas


Carta 1

Para um quase querido estranho.

Vou escrever sem meias palavras, pois sou neste momento só intensidade. Sou uma pessoa que se rasga inteira, não desperdiço meus dias tentando me manter no salto, não mantenho os pés no chão e não mantenho um dos pés atrás (mamãe vou sempre te desobedecer). Na verdade, na maior parte do tempo, ando com os pés nas nuvens (desde menina)...
Desde criança escrevo cartas, mas envio poucas. Escrevo para me despedir da angústia, tentando fazer algo bonito com meus pensamentos atordoados, com o meu modo intenso de viver a vida. Escrevo para me libertar de pensamentos martelinhos. Escrevo para me curar ou para me entender.
Mas o que tenho para te dizer é breve:

Quando te vi não senti a paixão dos enamorados à primeira vista. Não senti o desejo de me jogar em seu colo ou te arrastar para minha cama. Senti uma estranha confiança em revelar as dores que sentia: a maior das intimidades. Seus olhos, me diziam calmamente(ou pelo menos foi o que vi) : - Conte o que se passa.
Contei sem reservas a dor de amor e a decepção que me consumia, contei dando nome aos bois, falando da minha primeira intenção: perdoar.
Tirei sarro do orgulho, rompi com a imagem de mulher ressentida. Me mostrei forte e frágil para você: um quase estranho.
Você ouviu, sem repetir clichês, sem desfiar conselhos, apenas sinalizou com sua calma que aquilo em que eu depositava tanto peso, foi apenas um acontecimento entre tantos na imensa vida por viver. Fiquei mais leve.
Foram duas semanas te encontrando sem marcar, nas ruas cinzas da cidade que aos poucos se coloriu com cores ainda não vistas e outras tantas esquecidas.
Foram dias te encontrando por coincidência ou destino?
Na casa de conversar a distância sem se tocar, ou olhar olho no olho que a modernidade inventou, começamos a construir uma amizade virtual. Perigoso movimento de viver perseguindo impressões, frases, fotos, recados. Um perfil que diz tão pouco, muito menos que um olhar, mas que hoje tem definido de quem nos aproximamos ou como nos aproximamos. E também a hora de se distanciar.
Numa noite qualquer, um encontro casual, que foi definitivo neste momento da minha vida. Pois me devolveu a capacidade de ver para além do que eu estava vendo nos últimos dias: descrença, tristeza e tédio.
Este encontro me devolveu a vontade de me arrumar, colocar perfume, comprar vestido novo. Me devolveu a capacidade de me encantar e de ser encantada.
Uma noite, uma tarde, uma noite, pouco tempo juntos, provocaram pequenas mudanças no meu dia a dia, coisas que eu já não suportava fazer pois me traziam lembranças doídas, se tornaram deliciosas, como se fossem feitas pela primeira vez: arrumar a casa, fazer compras, ler receitas imaginando almoços e jantares. Parei de chorar com o porteiro, o açougueiro, o taxista, a manicure. Voltei a dizer bom dia, boa tarde com um sorrisinho sapeca no rosto.
Voltei a tomar demorados banhos ouvindo música nas alturas. Voltei a dormir como um anjo. Duas semanas apenas, para me fazer sonhar com uma nova história, para me lembrar no meio do trabalho de engraçados papos, e me arrepiar com outras impressões digitais deixadas no corpo. Para me provocar o desejo de encontrar você por aí em qualquer esquina.
Mas logo apareceu um ingênuo desejo de repetição, um desejo de ter aquilo de volta, de viver a mesma noite, tarde, noite. Esqueci da lição que a vida tantas vezes me ensinou, que um encontro é sempre novo e outro. Sempre tem efeitos diferentes pra cada um de nós.
O que ficou em você? Eu não sei e talvez nunca saberei. Mas o que ficou em mim, foi um gosto novo pela vida, uma busca de sol.
Descobri que a capacidade de amar e de cuidar do outro e deixar ser cuidada é minha. Mas que eu posso despertá-la em acontecimentos inusitados, quando eu menos esperar junto a pessoas ainda desconhecidas.
Este encontro me devolveu o que de melhor eu havia perdido: a fome. Fome de vida. Hoje, estou faminta.
Mas você vive outra história, seus sonhos e planos te conduzem para outros caminhos, não te levam até a minha estrada. Temos diante de nós um desvio, um atalho, um passo em falso?
De uma certa forma sei, que entramos e saímos de nossas vidas.
Mas se hoje me olho no espelho e vejo o passado como algo distante, e desejo novos começos, inéditos começos, você tem haver com isso.
Do antigo amor só carrego lembranças que vejo cada vez mais longe, sumindo no retrovisor. Agora eu quero horas de sol, vento na cara, borboletas de sonho pousando no meu ombro.
Quero me apaixonar novamente. Quero telefonemas fora de hora, quero esperar por visitas inesperadas, esquentar no frio e ser esquentada, dormir abraçadinha, tomar banho a dois....Fazer muitas coisas ridículas, inventar apelidos, brigar de ciúmes, fazer as pazes fazendo amor, fazer coisas que ainda não fiz, ter boas surpresas, dizer coisas sem medo de ser inconveniente ou atrevida.
Quero ficar ansiosa, quero ter medo de não agradar, quero fazer pequenos mimos, quero ser mimada.
Quero fazer clipes imaginários quando estiver sozinha em casa ouvindo música. Quero ficar lembrando do ultimo abraço, do ultimo beijo esperando o próximo. Quero me arrepiar e me esquentar todinha com estas lembranças. Quero precisar ter que ir ao chuveiro para acalmar os ânimos. Quero me arriscar sem medo, sem lembrar do passado.
Me sinto novamente livre para viver um novo amor.
Sei que você fez uma escolha e ela não rima meu nome, o seu e amor.
Boa sorte nesta “escolha”, inevitavelmente ela implica em reservar para nós bons papos na mesa de bar, conversas entre bons amigos.
Ela implica em me distanciar do desejo de reinventar nosso encontro como o encontro de dois amantes ou namorados. Mas ainda reserva risos, olhares, conversas e abraços de amigos que podem se tornar irmãos.
De qualquer modo valeu a pena ter encontrado você naquele noite entre cervejas, risos e beijos.
Na vida nada se perde, tudo é movimento.
Sem promessas, sem querer, sem saber o que fez, você me impulsionou a seguir, a movimentar-se.
Um abraço forte querido quase estranho

3 comentários:

Anônimo disse...

Miga, Adoro o jeito que escreve...a gente vai se achando no meio das linhas. Coisa de gente!!
E o que seria de cada um de nós se não fossem esses "ilustres desconhecidos" que nos atravessam o caminho..rs* Amo cada um dos "quase estranhos" que cruzaram o meu caminho. E fica a pergunta: "Qual é a parte da tua estrada no meu caminho?" Isso é a VIDA.
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Fernanda Bortone disse...

Quase Nada
Zeca Baleiro
Composição: Zeca Baleiro e Alice Ruiz

De você sei quase nada
Pra onde vai ou porque veio
Nem mesmo sei
Qual é a parte da tua estrada
No meu caminho

Será um atalho
Ou um desvio
Um rio raso
Um passo em falso
Um prato fundo
Pra toda fome
Que há no mundo

Noite alta que revele
Um passeio pela pele
Dia claro madrugada
De nós dois não sei mais nada

De você sei quase nada
Pra onde vai ou porque veio
Nem mesmo sei

Qual é a parte da tua estrada
No meu caminho

Será um atalho
Ou um desvio
Um rio raso
Um passo em falso

Um prato fundo
Pra toda fome
Que há no mundo

Se tudo passa como se explica
O amor que fica nessa parada
Amor que chega sem dar aviso
Não é preciso saber mais nada

Ro,
Só posso te responder com essa música linda.
beijinhos

Unknown disse...

Fernanda,
Adorei! Fico sem palavras,
tive a sensação de já ter vivido isso.
Assim é a vida com encontros, desencontros e reencontros.
O coração muitas vezes para, leva esbarrões, cacetadas, mas sabe voltar a pulsar, dançar, levantar, sacudir e dar a volta por cima.
Realmente, o que seria de nós sem esses desconhecidos?
Que venham mais desconhecidos!
Então... Vamos viver, vamos gargalhar, vamos amar!!!!
Estou no aguardo da Carta 2.
Beijos,
Soninha