domingo, 21 de setembro de 2008

Sensações: atração por precípicios

Ela, desde sempre, amou encostar-se ao parapeito das janelas de prédios e casas e observar a distância percorrida até o chão. Nunca quis o tombo, nunca quis ferir-se. Quando pequena andava na beira do rio, pé ante pé, observando o fluído das águas sujas de malacachetas. Ela se atrasava experimentando o perigo. Inocente, não calculava, que se caísse apenas emprestaria a saia de pregas bem passadas um gosto de areia, água e pedra. A moça não buscava a morte ou a dor. Ela queria voar e ao colar-se rente ao chão, escapar imune do choque. Não se sabe porque, mas ela não entendia que o choque é iminente. Hoje, essa atração permanece. Ela acaba de experimentá-la, enquanto cruza num coletivo a ponte que separa o Rio de Niterói. Olha com sofreguidão a baia profunda e azul. Cola a testa no vidro e torna a imagem comum; extraordinária. Sente o vento nos cabelos, sente o cheiro de maresia. Não sabe de onde vêm isso, esse sentimento de despenhadeiro, mas enquanto isso lhe atravessa o corpo arrepiando seus pêlos todos e esquentando suas extremidades, um pensamento lhe corta a carne, lembra-se de como ama. Quando ela ama quer sentir o risco de cair desordenadamente, pede a queda sem proteções, sem equipamento reserva, que suavize o movimento. Quer o vento, o sol, a pressão do ar sobre o rosto, desfigurando velhas formas. Quer a expressão intensa da vida imprimindo sem reservas sobre seu corpo sempre virgem, cenas quase inéditas, quase desconcertantes. Um resto de inocência insiste que ela pode escapar da dor e do tédio.

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